segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Programação

“Clio e Eros no escurinho do cinema:
mÉnage À trois entre História, Cinema e Sexualidade”.
 



1ª Sessão (24/8). Sexo, ascensão, orgia e queda de Roma.

Satyricon (Satyricon), de Federico Fellini

 Comentadores: Cesar Augusto Barcellos Guazzelli (História – UFRGS)

e Anderson Zalewski Vargas (História – UFRGS)
 
 
2ª Sessão (31/8). Idade Média, amores extremos: entre padres, nobres e comerciantes. O Decameron (Il Decameron), de Pier Paolo Pasolini
Comentadores: José Rivair Macedo (História – UFRGS)
e Nilton Mullet Pereira (FACED – UFRGS)
 
 
3ª Sessão (14/9) Ser ou não ser: o amor moderno e romântico.
Romeu e Julieta (Romeo and Juliet), de Franco Zeffirelli
Comentadores: Joana Bosak de Figueiredo (História da Arte – UFRGS)
e Carla Brandalise (História – UFRGS)
 
 
4ª Sessão (21/9). Escritos antigos, Índia: o amor é elevação.
Kama Sutra um Conto de Amor (Kama Sutra a Tale of Love), de Mira Nair
Comentadores: Rafael Farias de Menezes (História – UFRGS)
e Natalia Pietra Mendes (História – UFRGS)
 
 
5ª Sessão (28/09) O cinema e a criação do mito da ninfeta.

Lolita (Lolita), de Stanley Kubrick
Comentadores: Márcia Ivana Lima e Silva (Letras – UFRGS)
e Rafael Hansen Quinsani (Doutorado em História – UFRGS)

 
6ª Sessão (05/10) Estados Unidos, vitoriosos e conservadores.
Clamor do Sexo (Splendor in the Grass), de Elia Kazan
Comentadores: Arthur Lima de Avila (História – UFRGS)
e Rafael Belló Klein (Mestrado em História – PUCRS)
 
 
7ª Sessão (19/10) Inglaterra Vitoriana, vitoriosa e conservadora.
Drácula de Bram Stoker (Bram Stoker’s Dracula) – Francis Ford Copolla
Comentadores: Nikelen Acosta Witter (História – UNIFRA) e
 Cesar Augusto Barcellos Guazzelli (História – UFRGS)

 
 
8ª Sessão (26/10) Japão: a tradição reinventada.
O Império dos Sentidos (Ai no Korida), de Nagisa Oshima
Comentadores: Amadeu de Oliveira Weinmann (Psicologia – UFRGS)
e Luiz Dario Teixeira Ribeiro (História – UFRGS).
 
 
9ª Sessão (09/11) Sexo, Trauma e Holocausto.
O porteiro da noite (Il portiere di nottede), de Liliana Cavani
Comentadores: Rafael Rosa Hagemayer  (História – UDESC)
e Nilza Silva (Psicóloga)
 
 
10ª Sessão (16/11) Segunda Guerra: nazismo e resistência em... Marrocos!
Casablanca (Casablanca), de Michael Curtiz
Comentadores: Fatimarlei Lunardelli (Rádio Universidade – UFRGS)
e Gerson Wasen Fraga (História – UFFS)
 
 
11ª Sessão (23/11) França e a Revolução: a devassidão como herança.
Contos Proibidos do Marquês de Sade (Quills), de Philip Kaufman
Comentadores: Guacira Lopes Louro (FACED – UFRGS)
e Temístocles Cezar (História – UFRGS)
 
 
12ª Sessão (30/11) França: o amor, sem pecado concebido!
E Deus... Criou a Mulher (Et Dieu... Créa le Femme) – Roger Vadim
Comentadores: Diorge Alceno Konrad (História – UFSM)
e Benito Bisso Schmidt (História – UFGRS)
 
 
13ª Sessão (07/12) Brasil: sensualidade e repressão.
Bonitinha, mas Ordinária, de Braz Chediak
Comentadores: Luis Augusto Fischer (Letras – UFRGS)
e Céli Regina Jardim Pinto (História – UFRGS)
 
 
14ª Sessão (14/12) Identidade, alteridade e transgressão.
A pele que habito (La Piel que Habito), de Pedro Almodóvar
Comentadores: Fernando Seffner (FACED – UFRGS)
e Liliana Sulzbach (Cineasta)


Sábados na Sala Redenção

Campus Central da UFRGS
15:30
Curso de Extensão + Certificado: R$ 20,00
Inscrições: Sexta dia 23/08 das 16:00 as 20:00
e sábado, dia 24/08 a partir das 14:00
Na Sala Redenção
Visite nosso blog:
 Assista nosso trailer:



quarta-feira, 2 de janeiro de 2013



Clio, Eros e a Sétima Arte:
breviário sobre sexualidade e cinema

 

Rafael Hansen Quinsani

 

Não é de hoje que a História “só pensa naquilo”. Sexualidade, erotismo e seus elementos afloram nas sociedades desde os tempos imemoriais, marcando a História de diversas formas. Diferentemente do resto dos animais o ser humano pode pensar e praticar sexo o tempo todo, além da finalidade de reprodução e das regras biológicas do cio. Preenchendo o cotidiano e o imaginário, o sexo não poderia ficar de fora do nascimento da sétima arte. Do ato voyeurístico perante ao que é apresentado na tela a vivência da proximidade consentida das experiências do escurinho da sala de cinema, a sexualidade permeia os meandros da experiência fílmica. Como lembra Fredric Jameson: “O visual é essencialmente pornográfico, isto é, sua finalidade é a fascinação irracional, o arrebatamento. [...] Filmes pornográficos são a potencialização de uma característica comum a todos os filmes, que nos convidam a contemplar o mundo como se fosse um corpo nu”.

Entretanto, a compreensão do conceito de nudez depende do contexto. A exposição do corpo nu pode ser objeto de poder através da sexualidade. E então, cabe a pergunta: qual o limite da exposição? No cinema ela oscilou entre diferentes significações ao longo do tempo. Atribui-se o primeiro nu frontal a película Êxtase, realizada em 1933. A obra narra as desventuras de uma mulher recém casada que se depara com a infelicidade junto ao marido. Toda estruturada pela música, quase um “filme-sinfonia”, este inovou ao detalhar o orgasmo feminino representado com sensualidade por Hedy Lamarr (então com 16 anos). O close nos lábios semicerrados, na mordida dos dedos e nos olhos brilhando expressa a marca do filme: a intensidade que o sexo e o erotismo podem compor o cotidiano. Contudo, a nudez presente em Êxtase já não era inédita. Em 1897 Le tub apresentava o banho de uma mulher. Quando o cinema se consagrava no auge das vaudevilles diversos filmes retratando nudez e cenas sexuais eram exibidos. Da exposição do corpo através de insinuações, fendas, roupas, cabelos (e lembrando Roland Barthes: “O lugar mais erótico do corpo não é lá onde o vestuário se entreabre?”) até a exposição explícita das genitálias e suas “desenvolturas” muita coisa aconteceu.


Ainda na fase do cinema mudo, a representação misógina das Vamps, verdadeiras devoradoras de homens, com seu ar perverso destacava-se nos filmes. Incorporadas por atrizes como Theda Bara, estas personagens se opunham as idealizadas donzelas, encarnando a oposição anjo versus demônio tão cara as narrativas tradicionais. Contudo, ás vezes o demônio se travestia de anjo, como Marlene Dietrich e suas sedutoras meias, cinta liga, colete e salto alto humilhando o ingênuo professor em O Anjo azul. Da Lola à Lolita a sedução fatal tomou conta de diversos filmes. 

O olhar cinematográfico também foi marcado pelo caráter patriarcal em relação à mulher. O olhar masculino atuou com um poder controlador sobre o discurso e o desejo. O cinema produzido em diversos países articulou-se desta forma, mas é, sem dúvida, na esfera hollywoodiana que ele teve maior destaque e foi difundido mais amplamente. É nas décadas de 1930 e 1940 que os mecanismos de controle exercem mais força. Nos anos 1950 tem início um desmoronamento destes mecanismos, que pode ser percebido nas películas pelos respingos de sexualidade, reconhecendo a força do perigo da sexualidade feminina que emanava no meio social. Diversos filmes apresentam e reafirmam o homem na sua superioridade econômica e social, outros destacam a imagem da mulher como do fetiche e o filme Noir destaca a sexualidade explícita, caracterizada como algo maligno que deve ser destruído. Muitos filmes Noir, por não apresentarem relações familiares “normais” em seus enredos acabam destacando a mulher como portadora de uma postura independente. Todavia, estas mulheres muitas vezes dependem dos personagens masculinos para sobreviver e partilham do cinismo destes, o que transforma a independência num produto de degradação moral.

Nos desvairados anos 1960, estes mecanismos não funcionam mais. Muitos filmes apresentam cenas de estupro onde não mais se encobre o uso do falo como meio de dominação. Mais do que uma liberação, o que as imagens cinematográficas apresentam é uma resistência, pois as mulheres buscam satisfazer-se e com isso levam os homens a confrontar-se com seus medos, com a própria sexualidade feminina. Nestas diferentes décadas, os signos hollywoodianos estavam carregados da ideologia patriarcal que sustentava as estruturas sociais. Desse modo, o cinema apresenta três instâncias de olhares masculinos: o olhar da câmera, dos realizadores; o olhar do homem dentro da narrativa; e o olhar do espectador masculino.

Ausente nesse olhar dominador também estava a homossexualidade, em que pese a enorme influência de gays e lésbicas nos bastidores e no funcionamento de Hollywood. O peso do conservadorismo ainda se fará sentir por longos anos. A adaptação de Gata em teto de zinco quente para o cinema apagou e suavizou as referências homossexuais de um dos personagens. De repente no último verão foi o primeiro filme a ter presente um personagem gay, ainda que demarcado e visto sobre o olhar patriarcal. Ultrapassar a fronteira dos gêneros para reafirmar a dominação masculina foi um recurso empreendido em Quanto mais quente melhor, e mais tarde em Tootsie e Vítor ou Vitória? Esse olhar se referendava de todos os lados. Neste contexto, ser um “homem feminino” feria o “lado masculino” da sociedade.
 
 
Sofrendo pressão dos setores conservadores da sociedade estadunidense, foi divulgado em 1930 e implantado em 1934 o Código Hays, uma lista de diretrizes e posturas que deveriam nortear as obras produzidas a partir de então. No âmbito dos filmes alternativos, restritos ao circuito clandestino nos EUA, eram projetados os nudies, que exibiam cenas de nudez e de sexo. Aqueles que exibiam cenas explícitas ficaram conhecidos como Stag movies. Posteriormente, quando passaram a ser exibidos nas cabines de peeps shows, foram batizados como Loops. Também nesse período, a legalização do nudismo nos EUA gerou a produção de diversos pseudo-documentários que exploravam a nudez dos seus “protagonistas”.

Após diversos filmes realizados nas décadas de 1950 e 1960 (The imoral Mr. Teas; Erotica; Heavenly Bodies; Lorna; Mudhoney) responsáveis por tirar a nudez dos documentários, Russ Meyer ousou em Vixen (expressão empregada para designar a raposa fêmea na língua inglesa) cuja protagonista tem um apetite sexual voraz, poupando de suas garras somente um jovem negro. Uma ousada cena de lesbianismo, incesto, racismo e política se misturam nesta obra explosiva de Meyer. Se o lado B estadunidense começa a ousar em sua abordagem, a ponto de influenciar os grandes estúdios nos anos 1970, do outro lado do Atlântico os hormônios saltavam na tela há bastante tempo. As ondas transformadoras da estética carregavam consigo a verve da transformação sexual que sacudiu a Europa do pós-guerra nos anos 1960. Filmes franceses (Você e o veneno, Les yeux cernés, A Bela da tarde), suecos (Amarelo, Uma história de amor sueca, Flossie, Exponerad, Maid in Sweden, Thriller, a cruel Picture, Persona, Vergonha), italianos (Blow-up, Malizia, Io, Emmanuelle), ingleses (As aventuras de Tom Jones, Um gosto de mel), sem esquecer dos japoneses (A mulher inseto, O império dos sentidos, A mulher de areia) expressavam de diversas formas esses elementos. Esta nova atitude perante o sexo e o reexame dos costumes se solidifica como a principal herança da juventude baby boom. O último tango era dançado em Paris e a revolução era amanteigada (e com as unhas prudentemente cortadas!).

Nos anos 1970 o velho continente continuou ousando. Walerian Borowczyk inspirado na literatura libertina realizou diversas películas com forte apelo erótico (Contos imorais, La bête) e Tinto Brass, profícuo cineasta italiano, transitou do mundo antigo em Calígula, até o Terceiro Reich com Saloon Kitty. Realizou diversos títulos pitorescos até a atualidade: A chave, Miranda, Capricio, Snack Bar Budapeste, Todas as mulheres fazem, O homem que olha, Monella, a travessa, Transgredire, Luxúria, Faça isto!, Monamour.

É nas décadas de 1960 e 1970 que os Exploitations e seus filhos também chegam para abalar os alicerces da cultura cinematográfica. Eles eram denominados desta forma por explorar temas controversos de forma sensacionalista. O Nunexploitation retratava a sexualidade dentro dos muros dos conventos, onde a oração e a religiosidade associavam-se a sadomasoquismo, orgias e traumas. O realizador espanhol Jess Franco foi um dos seus baluartes, com destaque para Cartas de amor de uma freira portuguesa. Do mestre espanhol também se sobressaem: Santuário Mortal, O insaciável Marquês de Sade, Venus in Furs e Vampyros Lesbos. O Naziexploitation levou o gênero ao extremo com títulos como Calígula reencarnado como Hitler e Ilsa, she Wolf of SS. A partir da produtora inglesa Hammer, diversos filmes também ousaram na temática vampiresca, como Condessa Drácula, Vampyres, as filhas de Drácula, Escravas do desejo, Carmilla chegando até a série True Blood.



Mas, se nos EUA, a femme fatale menos demoníaca e mais humanizada que suas antecessoras vamps perdiam espaço, as pin-ups (Marylin Monroe como símbolo máximo em O pecado mora ao lado) com sua ingenuidade provocante ganhavam espaço. Logo, A primeira noite de um homem provocaria escândalo, Barbarella enlouqueceria os espectadores com a máquina do amor e sexo, e o erotismo, ainda que soft se consolidaria com Emmanuelle.

A evolução do cinema e sua abordagem da sexualidade trouxe à tona a questão teórica de como diferenciar na narrativa fílmica onde termina o erotismo e inicia a pornografia. O cineasta gaúcho Carlos Gerbase apresenta diversas tentativas de classificação, todas falhas em sua opinião. A distinção Plástica qualifica um filme de acordo com a visualização da genitália: no pornográfico tudo é mostrado enquanto no erótico ela é “escondida”. O viés psicológico destaca o pornográfico pela representação do ato sexual como algo mecânico, enquanto no erótico encontra-se sentimentos presentes na ação. A abordagem Intuitiva apela para o elemento subjetivo e simplificador. O viés estético procura classificar o que seria de bom gosto, para uma obra erótica e de mau gosto para a pornográfica. A saída, para o cineasta, estaria em pensar cada filme a partir de sua postura, sendo que esta pode ser conformada ou libertária.

Nos EUA dos anos 1970 quando diversos filmes recheados com cenas de sexo explícito ocuparam espaço comercial vigoroso, o código Hays já havia sido abandonado e no lugar reinava a classificação da MPAA, que enquadrava estes filmes como X-Rating. Contudo, estas obras se diferenciavam qualitativamente daquelas produzidas nos dias atuais. Havia a preocupação com um argumento e roteiro e os protagonistas pareciam “saídos da vida real” e não de uma fábrica de bonecas infláveis. Mostrando as peripécias de uma mulher que buscava respostas para sua insatisfação sexual, Garganta profunda pode ser até ser classificado como uma comédia. Este filme foi responsável por retirar o cinema erótico do gueto e tornou-o um produto de massa. Com um criativo argumento (mulher virgem se suicida e no purgatório faz um pacto com o diabo para que este encarne em seu corpo e usufruam diversas experiências no retorno a terra) O diabo na carne de Miss Jones iniciava com um extenso monólogo da personagem em frente ao espelho. Atrás da porta verde aderia a onda flower power de uma grande orgia quase ritualística. Café Flash - gozos atômicos retratava um futuro pós-apocalíptico onde os seres humanos não sentiam mais prazer sexual. Na esteira destas obras seus realizadores eram alçados ao pantheon dos grandes cineastas: Anthony Spinelli, Alex DeRenzy, John Leslie e Gerard Damiano com certeza ainda encontram admiradores ao redor do mundo.



Na exaltação dessa abertura o “recuo” moralista e autorepressivo foi impulsionado pela proliferação do VHS: as tiranias da intimidade ressurgiam das cinzas, mas não sem uma mudança estética nos seus produtos. A estruturação do porn valley e a criação de um star system próprio proliferou a quantidades de filmes produzidos, mas que abandonavam a adoção de um argumento, de um roteiro e a exibição em salas de cinema. Passou-se a produzir cenas juntadas e vendidas quase que metaforicamente como “filmes” para consumo doméstico. Todo esse contexto foi magnificamente retratado em Boogie nights. Uma visão europeia pode ser vista em O pornógrafo. Diversas produções atuais – no rastro dos realitys shows, caracterizadas como gonzo, buscam retratar o sexo como um registro amador, apontando para a veracidade da cena filmada. Dificuldade inerente a toda cena sexual, cabe perguntar como é possível traspor uma experiência tátil para a película? Como caracterizar esta realidade? Lembrando a crítica de André Bazin, a presença de uma cena real de sexo seria igual à realização de uma cena de morte de um tiroteio. E referenda: “O cinema pode dizer tudo, mas não de forma alguma tudo mostrar”. Questões complexas e ainda presentes.          

Enquanto isso, nas terras tupiniquins, após alguns filmes reflexivos como Noite vazia e Os cafajestes, sob os olhos da ditadura gestou-se a pornochanchada e o cinema marginal, produzindo uma variedade de títulos com qualidades variadas. Gisele e diversos títulos de Carlos Reichembach dividem o cenário com peculiaridades como As emoções sexuais de um jegue e Experiências sexuais de um cavalo (não esquecendo o famoso cachorro de 24 horas de sexo explícito). A retomada no início dos anos 1990 trouxe uma esperança para produções mais ousadas que se perderam no predomínio de obras com estética novelesca, salvo aquelas mais independentes como Um copo de cólera e Entre lençóis.  

            Os coloridos anos 1980 consagraram diversas aventuras adolescentes (Porkys, O último americano virgem) avós e (talvez) um pouco menos grotescos dos contemporâneos American Pie. Curiosamente alguns filmes atuais apresentam a inserção da pornografia como possibilidade de sobrevivência (Show de vizinha, Pagando bem que mal tem), e até ironizam a liberdade da juventude. A good old fashioned orgy mostra um grupo de jovens dispostos a realizar uma orgia antes da venda da casa de praia de um deles. Como eles não sabem como executar a empreitada partem em busca dos conselhos de um morador experiente para ensinar-lhes como se faz uma orgia! Mas a década que encerrou o curto século XX ainda mostraria Corpos ardentes, e destacaria que O amor não tem sexo.

A estética yuppie e pós-moderna fez escola com Sexo, mentiras e videotape e 9 semanas e meia de amor. A manteiga de Romy Schneider cedia lugar para o mel, chantilly e os morangos de Kim Baysinger. Ainda nos anos 1990 surgia um novo mito pelas mãos de um cineasta que nunca havia esquecido “daquilo”. Instinto Selvagem de Paul Verhoven ousou com Sharon Stone protagonizando uma longa cena de sexo com Michel Douglas e a breve cruzada de pernas que incendiaram uma década meio morna. Madonna tentava provocar com seu Corpo em evidência, Demi Moore tirava a roupa em Strip-tease e processava em Assédio sexual.



No vizinho Canadá o sexo conectava-se a elementos fantásticos e bizarros. David Cronenberg realizou uma série de filmes que misturavam terror, sexo e criaturas bizarras. Em Calafrios parasitas criados em laboratório para liberar a sexualidade humana acabam sendo soltos num prédio originando diversos bacanais entre seus habitantes.  Os filhos do medo narra a história de uma mulher que dá a luz a mutantes assassinos, materializando seu ódio contra humanos. Enraivecida na fúria do sexo é considerado uma obra que antecipa a presença da AIDS ao retratar uma mulher que sofre uma cirurgia plástica com uma experimental restauração de tecidos. Como resultado surge uma sequela inesperada: da axila da moça nasce um órgão alimentador que suga o sangue de suas vítimas, seduzidas pelo charme da mulher, transmitindo o contágio para o infectado que após um tempo acaba morrendo. O mórbido e o fetiche ressurgem com força total no polêmico Crash – estranhos prazeres. Denys Arcand, já famoso por O declínio do império americano realiza Amor e restos humanos e Atom Egoyam dirige Exótica.

Do oriente Zhang Yimou retratou de forma ímpar a repressão nas obras Amor e sedução, Lanternas Vermelhas e Adeus a minha concubina. Na França, não esquecendo a política o veterano Luis Malle lança Perdas e danos. Na Inglaterra A prostituta de Ken Russel (que já havia polemizado em Mulheres apaixonadas) é taxado de pornográfico em alguns países. A Espanha pós-franquista apresenta um Almodóvar retirando a poeira do armário e provocando as convenções sociais com Ata-me e Kika.  Na Inglaterra Peter Grenaway usa um tom de escatologia em O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante, 8 e ½ mulheres e O livro de cabeceira. Diversos temas também seriam explorados em filmes interessantes: Ovos de ouro, Oleanna, Traídos pelo desejo, Encaixotando Helena, Orquídea selvagem, Gosto amargo da paixão e De olhos bem fechados.

O Noir moderno trouxe à baila as mulheres fatais revisitando os tempos antigos (Los Angeles – cidade proibida; Dália negra; O homem que não estava lá) ou com releituras como na tele série Femme fatales. O filme homônimo de Brian de Palma (que já havia realizados experiências com Dublê de corpo) apresentou a nova loira fatal Rebecca Romijn Stamos.

            Nos dias atuais a questão da fronteira entre o pornográfico e o não pornográfico parece ter voltado à tona. A proliferação de produções em diferentes formatos e a coprodução entre diversos países dinamizaram variadas abordagens. De Transamérica e Tudo sobre minha mãe até 9 canções o cinema experimentou um pouco de tudo. A forte presença feminista na contemporaneidade pode ter contribuído para uma leva de filmes lésbicos ao redor do mundo: Lírios de aranha em Taiwan, Yes or no na Tailândia, Eternal no Canadá, Tudo pode acontecer no Chile, Oubler Chayenne na França, Elena Undone, Assunto de meninas, Meninas não choram, Desejo proibido nos EUA, Almas gêmeas na Nova Zelândia, Um quarto em Roma na Espanha, entre outros. Uma leva de filmes destacando a relação entre um casal filmada praticamente em um único cenário (En la cama, Um quarto em Roma) mostra que a “discussão da relação” ainda vale para a estética cinematográfica. Ainda sobre as relações e da dificuldade que as pessoas enfrentam para se conectar uma com as outras Shame apresenta uma interessante abordagem. O lado sentimental masculino ganha destaque em O homem que ama, que talvez peque pela verossimilhança, uma vez que o personagem principal não demostra interesse pela esposa, interpretada por Monica Bellucci!

            Nestes mais de cem anos de cinema, a relação de Clio, Eros e a sétima arte é múltipla e tem sua história!

 

            Foucault destaca que a sexualidade foi contida no período vitoriano. Antes disso, as práticas não procuravam o segredo e uma franqueza demarcava os atos. “Nas noites monótonas da burguesia vitoriana” a sexualidade muda-se para dentro de casa, confiscada pela família conjugal, praticamente ficando restrita ao quarto dos pais. O decoro das atitudes trata de esconder o corpo e a decência empregada nas palavras limpa os discursos. Todo o “resto” encorpava os lugares de tolerância. Produto do século XVIII, a scientia sexualis configura a vontade de saber, oposta a ars erótica que demarcava uma verdade extraída do prazer, encarada como prática e recolhida como experiência. Esta arte predizia o domínio do corpo e o gozo sem limites, muito diferente das práticas do XIX, onde o sexo é reinscrito no sistema da lei. Do sangue como referência do mecanismo de poder e do funcionamento da ordem dos signos passou-se para o poder do sexo. Os mecanismos de poder agora se dirigem ao corpo.

            Num espaço de 150 anos os diferentes discursos sobre a sexualidade buscaram falar sobre seu próprio silencio, detalhar o que não se diz, denunciando os poderes que exerce. A interdição do sexo não se configura uma ilusão, a verdadeira ilusão é fazer desta interdição o elemento central. Em suma: o poder está no discurso. Nesta profusão de discursos sobre sexo iniciado no XVIII o cinema demarca seu ápice. Suas representações são filhas da repressão, mas também se opõem, desvinculam e a questionam. É neste espaço que os discursos se colocam em movimento, se renovam, assumem outra perspectiva. Falar sobre sexo e sobre sua repressão constitui-se uma transgressão, inserindo seu ato fora do alcance do poder.

            Dessa forma o termo sexualidade agrupa diversos fenômenos de comportamento, sensações, desejos, instintos, paixões e claro, sexo! Não cabe isolar este termo no plano dos conceitos, pois ele é uma figura histórica real! História, Cinema e Sexualidade. Neste evento Clio, musa da História se encontra com Eros, o mais belos dos deuses imortais, no escurinho do cinema, sétima das artes. Desse ménage à trois propomos um ciclo de cinema que perpasse, questione, reflita e contribua para a análise dessa visão histórica-cinematográfica. Como um bom ménage nenhum dos envolvidos deve aproveitar menos que o outro, o prazer deve ser total! Mas neste caso Clio é a dona do quarto e diz que hora tem que acabar ou começar a festa! Da antiguidade a contemporaneidade diversos enfoques afloram nos filmes escolhidos. Sexo, amor, pecado, desejo, sensações, comportamentos, repressão e transgressão, entendida como um deslocamento, quebra de expectativas, o cruzamento de uma fronteira. Procuraremos não adotar a fronteira do pornográfico e do erótico, o primeiro visto como a representação explícita da sexualidade, a carnalidade sem amor físico; e o segundo tomado pela representação sugerida, uma metáfora. Buscar-se-á refletir sobre conceitos, práticas e discursos dentro dos seus marcos e contextos fazendo-os questionar e analisar as práticas atuais e quem sabe futuras. Assim, títulos conhecidos ficaram de fora justamente pela grande exposição e estudo e outros “menos óbvios” foram incorporados para tentar agregar outro olhar. Transpondo os liames da Sala Redenção, a ferramenta do blog também permitirá abordagens diferenciadas tanto nas temáticas históricas como de outros filmes e mídias, compondo um amplo suporte para nosso evento.

            A partir de agosto você é nosso convidado para uma aventura sensual e histórica!

            Venha para a Sala Redenção!

 

Dicas bibliográficas

 

Michel Foucault

História da Sexualidade

Volume 1 A vontade do saber

Volume 2 O uso dos prazeres

Volume 3 O cuidado de si

 

Anthony Giddens

A transformação da intimidade:
sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas

 

Richard Sennet

O declínio do homem público:
as tiranias da intimidade

 

Linda Williams

HardCore:
power, pleasure, and the “frenzy of the visible”

 

Paulo Menezes

À meia-luz:
Cinema e Sexualidade nos anos 70

 

César Almeida

O cemitério perdido dos filmes B

 

William J. Mann

Bastidores de Hollywood:
a influência de gays e lésbicas no cinema. 1910-1969

 

Douglas Keesey e Paul Duncan
 
Cinema erótico

 

Ann Kaplan

A mulher e o cinema:
os dois lados da câmera