domingo, 13 de outubro de 2013

Intermezzo

Camaradas:
inauguramos a seção Intermezzo, onde abordaremos a sexualidade em outras plataformas.



UM CURTO INTERMEZZO:
SEXO NO MUNDO DOS GAMES

Christopher Kastensmidt

Professor da Uniritter, Escritor, especialista em narrativas digitais, jogos digitais e literatura fantástica.


Assistir filmes sensuais? Pode dar tesão. O cinema mexe com os nossos sentidos, que são fundamentais para a nossa sexualidade. Ler um livro erótico? Podemos ver, pelos setenta milhões de cópias vendidas de Cinquenta Tons de Cinza, que ele certamente tem seu lugar. O livro toca na imaginação: a zona erógena mais poderosa do corpo.

Então qual seria o lugar dos games no mundo de erotismo? Quando o assunto se trata de sexo, os games oferecem seu velho curinga de sempre: a interatividade. Os games, que movimentam quase setenta bilhões de dólares por ano, já invadiram quase todo cotidiano das nossas vidas, e é a interatividade que faz o jogo digital tão poderoso em áreas tão diversas, como entretenimento, educação, treinamento, propaganda e arte. A interatividade é a diferença entre ler sobre o Christian Grey e SER o Christian Grey. No game, temos o poder de interpretar o papel do protagonista e determinar suas ações.

No Japão, lugar sem os mesmos tabus sexuais do ocidente, a indústria de games eróticos é desenvolvida e gigante. Empresas conhecidas no ocidente por seus jogos infantis, como a Square Enix, nunca tiveram problema nenhum em lançar games eróticos no seu país de origem. O gênero de games eróticos é tão grande que tem nome próprio: eroge.

Porém, essa é uma história à parte. No mundo ocidental, a sexualidade nos games evoluiu de forma diferente. Nas primeiras tentativas de inserir conteúdo sexual dentro dos games, como Beat ‘Em & Eat ‘Em (Atari 2600, 1982) e Stroker (Commodore 64, 1983), os desenvolvedores colocaram atos sexuais em forma de jogos de ação. Estes games vão do infantil ao nojento, e a grande maioria das lojas recusou vender este conteúdo questionável. Fiquem avisados os curiosos que pensam em fazer uma busca Google sobre estes dois títulos.

Logo, porém, o assunto de sexualidade começou a ser tratado de forma mais séria. O popular Defender of the Crown (Commodore Amiga, 1986) em vez de simular o ato sexual, colocou o sexo dentro do contexto do game, o que o tornou mais aceitável e sutil para o varejo e o consumidor.



Defender of the Crown

O lançamento do game Leisure Suit Larry in the Land of the Lounge Lizards (PC DOS/Apple II, 1987) foi uma das grandes marcas de sexualidade em games. Al Lowe, game designer da empresa On-line Systems (que mais tarde virou a famosa Sierra On-Line), teve a ideia de criar uma aventura gráfica para adultos. O jogo, muito bem humorado, segue Larry Laffer, homem brega de 38 anos, na sua busca de perder a virgindade.



 

Leisure Suit Larry

O jogo popular gerou várias continuações e uma série de remakes que continua até hoje, com uma campanha de financiamento coletivo em 2012 que arrecadou quase setecentos mil dólares.

A partir dos anos 1980, abriram-se as portas para tratar de assuntos adultos em games. Porém, ainda faltava amadurecimento nas suas abordagens.

Em uma indústria que, durante muito tempo, foi dominada pelos homens, podemos observar a predominância de fantasias masculinas. Esta, porém, não era característica exclusiva dos games eróticos. Durante o século XX, a maioria de games se baseou em fantasias masculinas, por exemplo: matar um dragão, ganhar a Copa do Mundo ou lutar na Segunda Guerra Mundial.

Essa influência masculina se refletiu no tratamento de sexualidade, muitas vezes abordada de forma infantil, desde os tarados de Tomb Raider que criaram modificações topless de Lara Croft para todos os jogos da série, até os próprios criadores do game BMX XXX (Xbox/PlayStation 2/GameCube, 2002), que introduziram mulheres peladas andando de bicicleta e cenas de strippers.



BMX XXX

A famosa polêmica sobre a modificação Hot Coffee (“café quente”) do game Grand Theft Auto: em San Andreas (PlayStation 2, Xbox, Microsoft Windows, 2004) foi emblemática a abordagem nenhum um pouco séria da sexualidade. Neste caso, a equipe de desenvolvimento escondeu um minigame de sexo dentro do conteúdo do disco, sem avisar as autoridades que designam a classificação do game. Desta brincadeira surgiram processos jurídicos e ações políticas que forçaram a indústria mundial a reestruturar seus sistemas de classificação etária.

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Modificação Hot Coffee do game Grand Theft Auto: San Andreas

Felizmente, podemos citar um amadurecimento notável da indústria no século XXI. O game The Sims (Windows/Macintosh, 2001), talvez o primeiro grande sucesso da indústria com uma maioria de jogadores femininos, introduziu relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. O RPG Fable (Xbox, 2004) permitia casamentos e sexo entre pessoas de qualquer gênero, porém sem uma representação gráfica (apenas com áudio).

Hoje, sexo e sexualidade são comuns nos games, mas, em alguns casos, a objetivação da mulher persiste. Temos que navegar por clubes do striptease em Hitman Absolution (Xbox 360/PlayStation 3, 2012) e um bordel em Dishonored (PlayStation 3/Xbox 360, 2012). O jogo The Witcher (Windows, 2007) oferece uma carta para cada mulher conquistada. O Kratos pausa suas batalhas sangrentas para cenas de sexo em todos os títulos da série God of War. A fantasia masculina do sexo gratuito continua aparecendo, e em games altamente populares, causando um grande debate dentro da indústria.

Por outro lado, podemos citar vários exemplos opostos. Muitos games estão oferecendo um tratamento mais sério ao sexo, colocando-o dentro do contexto da história e dando uma chance para jogadores, de ambos os sexos, a encarar a sexualidade da maneira que eles mesmos escolhem. Na série Mass Effect, o jogador pode interpretar um homem ou uma mulher, homossexual ou heterossexual, a até pode ter relacionamentos sexuais extraterrestriais (sexo com alienígenas, alguém?).





Mass Effect – para todos os gostos

Fahrenheit (PlayStation 2/Xbox, 2005) e Heavy Rain (PlayStation 3, 2010) são outros títulos onde o sexo é baseado em relacionamentos e não em conquistas.



Fahrenheit



Heavy Rain

A indústria ainda tem um longo caminho a trilhar para amadurecer seu tratamento do sexo ao ponto de alcançar as artes mais antigas, porém o progresso da última década foi fenomenal, e o futuro da chamada “décima arte” parece bastante titilante.

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