Camaradas:
inauguramos a seção Intermezzo, onde abordaremos a sexualidade em outras plataformas.
UM CURTO INTERMEZZO:
SEXO NO MUNDO DOS GAMES
Christopher Kastensmidt
Professor da Uniritter, Escritor,
especialista em narrativas digitais, jogos digitais e literatura fantástica.
Assistir
filmes sensuais? Pode dar tesão. O cinema mexe com os nossos sentidos, que são
fundamentais para a nossa sexualidade. Ler um livro erótico? Podemos ver, pelos
setenta milhões de cópias vendidas de Cinquenta
Tons de Cinza, que ele certamente tem seu lugar. O livro toca na imaginação:
a zona erógena mais poderosa do corpo.
Então
qual seria o lugar dos games no mundo de erotismo? Quando o assunto se trata de
sexo, os games oferecem seu velho curinga de sempre: a interatividade. Os
games, que movimentam quase setenta bilhões de dólares por ano, já invadiram
quase todo cotidiano das nossas vidas, e é a interatividade que faz o jogo
digital tão poderoso em áreas tão diversas, como entretenimento, educação, treinamento,
propaganda e arte. A interatividade é a diferença entre ler sobre o Christian
Grey e SER o Christian Grey. No game, temos o poder de interpretar o papel do protagonista
e determinar suas ações.
No Japão,
lugar sem os mesmos tabus sexuais do ocidente, a indústria de games eróticos é desenvolvida
e gigante. Empresas conhecidas no ocidente por seus jogos infantis, como a
Square Enix, nunca tiveram problema nenhum em lançar games eróticos no seu país
de origem. O gênero de games eróticos é tão grande que tem nome próprio: eroge.
Porém,
essa é uma história à parte. No mundo ocidental, a sexualidade nos games evoluiu
de forma diferente. Nas primeiras tentativas de inserir conteúdo sexual dentro
dos games, como Beat ‘Em & Eat ‘Em
(Atari 2600, 1982) e Stroker
(Commodore 64, 1983), os desenvolvedores colocaram atos sexuais em forma de
jogos de ação. Estes games vão do infantil ao nojento, e a grande maioria das
lojas recusou vender este conteúdo questionável. Fiquem avisados os curiosos
que pensam em fazer uma busca Google sobre estes dois títulos.
Logo,
porém, o assunto de sexualidade começou a ser tratado de forma mais séria. O
popular Defender of the Crown (Commodore
Amiga, 1986) em vez de simular o ato sexual, colocou o sexo dentro do contexto
do game, o que o tornou mais aceitável e sutil para o varejo e o consumidor.
Defender of the Crown
O
lançamento do game Leisure Suit Larry in
the Land of the Lounge Lizards (PC DOS/Apple II, 1987) foi uma das grandes
marcas de sexualidade em games. Al Lowe, game designer da empresa On-line
Systems (que mais tarde virou a famosa Sierra On-Line), teve a ideia de criar uma
aventura gráfica para adultos. O jogo, muito bem humorado, segue Larry Laffer,
homem brega de 38 anos, na sua busca de perder a virgindade.
Leisure Suit Larry
O
jogo popular gerou várias continuações e uma série de remakes que continua até hoje, com uma campanha de financiamento
coletivo em 2012 que arrecadou quase setecentos mil dólares.
A
partir dos anos 1980, abriram-se as portas para tratar de assuntos adultos em
games. Porém, ainda faltava amadurecimento nas suas abordagens.
Em
uma indústria que, durante muito tempo, foi dominada pelos homens, podemos
observar a predominância de fantasias masculinas. Esta, porém, não era
característica exclusiva dos games eróticos. Durante o século XX, a maioria de
games se baseou em fantasias masculinas, por exemplo: matar um dragão, ganhar a
Copa do Mundo ou lutar na Segunda Guerra Mundial.
Essa
influência masculina se refletiu no tratamento de sexualidade, muitas vezes abordada
de forma infantil, desde os tarados de Tomb
Raider que criaram modificações topless
de Lara Croft para todos os jogos da série, até os próprios criadores do game BMX XXX (Xbox/PlayStation 2/GameCube,
2002), que introduziram mulheres peladas andando de bicicleta e cenas de strippers.
BMX XXX
A
famosa polêmica sobre a modificação Hot Coffee
(“café quente”) do game Grand Theft Auto:
em San Andreas (PlayStation 2, Xbox, Microsoft Windows, 2004) foi emblemática
a abordagem nenhum um pouco séria da sexualidade. Neste caso, a equipe de
desenvolvimento escondeu um minigame de sexo dentro do conteúdo do disco, sem
avisar as autoridades que designam a classificação do game. Desta brincadeira
surgiram processos jurídicos e ações políticas que forçaram a indústria mundial
a reestruturar seus sistemas de classificação etária.
.
Modificação Hot Coffee do game Grand
Theft Auto: San Andreas
Felizmente,
podemos citar um amadurecimento notável da indústria no século XXI. O game The Sims (Windows/Macintosh, 2001),
talvez o primeiro grande sucesso da indústria com uma maioria de jogadores
femininos, introduziu relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo. O RPG Fable (Xbox, 2004) permitia casamentos e
sexo entre pessoas de qualquer gênero, porém sem uma representação gráfica
(apenas com áudio).
Hoje,
sexo e sexualidade são comuns nos games, mas, em alguns casos, a objetivação da
mulher persiste. Temos que navegar por clubes do striptease em Hitman
Absolution (Xbox 360/PlayStation 3, 2012) e um bordel em Dishonored (PlayStation 3/Xbox 360, 2012).
O jogo The Witcher (Windows, 2007)
oferece uma carta para cada mulher conquistada. O Kratos pausa suas batalhas
sangrentas para cenas de sexo em todos os títulos da série God of War. A fantasia masculina do sexo gratuito continua
aparecendo, e em games altamente populares, causando um grande debate dentro da
indústria.
Por
outro lado, podemos citar vários exemplos opostos. Muitos games estão oferecendo
um tratamento mais sério ao sexo, colocando-o dentro do contexto da história e
dando uma chance para jogadores, de ambos os sexos, a encarar a sexualidade da
maneira que eles mesmos escolhem. Na série Mass
Effect, o jogador pode interpretar um homem ou uma mulher, homossexual ou
heterossexual, a até pode ter relacionamentos sexuais extraterrestriais (sexo
com alienígenas, alguém?).
Mass Effect – para todos os gostos
Fahrenheit (PlayStation 2/Xbox, 2005) e Heavy Rain (PlayStation 3, 2010) são
outros títulos onde o sexo é baseado em relacionamentos e não em conquistas.
Fahrenheit
Heavy Rain
A
indústria ainda tem um longo caminho a trilhar para amadurecer seu tratamento do
sexo ao ponto de alcançar as artes mais antigas, porém o progresso da última
década foi fenomenal, e o futuro da chamada “décima arte” parece bastante
titilante.
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