O
mito da ninfeta: Fetiche ou Obsessão?
Rafael Levandovski
Graduando em História - UFRGS
O dicionário Michaelis define
“ninfeta” como sendo: “Menina adolescente que desperta desejo sexual”. Contudo,
essa definição não engloba uma parte bastante importante daquilo que é exposto
na obra do escritor russo-americano Vladmir
Nabokov: “Lolita (1955)”, que –
sem dúvida – é o que mais influencia em todas as aplicações do termo na
atualidade. O Dr. Humbert Humbert (H.H.) (protagonista da obra de Nabokov)
escreve:
“Entre os limites de
nove e catorze anos, virgens há que revelam a certos viajores enfeitiçados,
bastante mais velhos do que elas, sua verdadeira natureza – que não é humana,
mas nínfica (isto é, diabólica). A essas criaturas singulares, proponho dar o
nome de ninfetas.”
Lolita
é um romance que – desde seu lançamento – foi muito polêmico, pois trata do
tema pedofilia
com uma naturalidade que chega a ser perturbadora. Apesar da polêmica, o
romance fez muito sucesso, e – hoje em dia – é considerado um clássico.
Nabokov assume
a pessoa do francês Humbert Humbert, no momento em que ele espera ser julgado por
um assassinato que cometeu. A trama do livro se desenvolve a partir do desejo
que este tem em explicar o motivo para que cometesse tal crime. Para que ele
possa atingir esse objetivo, ele precisa relembrar muitas das coisas que
aconteceram consigo, sendo a maior parte delas relacionada às suas paixões e
relacionamentos.
Atribui a “origem” de
sua doença à sua primeira paixão (aos treze anos), uma menina chamada Annabel, que morre prematuramente,
fazendo com que o pequeno Humbert sofresse um grande trauma. Assim, desenvolve
uma atração muito grande por meninas com uma idade semelhante a que tinha seu
amor antes de morrer. Cresce com uma série de distúrbios, que passam a ser mais
perceptíveis (tanto para ele, quanto para o leitor) no momento em que descobre
o adultério de sua primeira mulher. Não cede ao impulso de matá-la, mas o
simples fato de ter cogitado já demonstrava seus problemas. A herança recebida
de um tio estadunidense faz com que tenha de se transladar para o país, mais
especificamente na cidade de Ramsdale.
Acaba por se instalar
na casa da viúva Charlotte Haze (C.H.), mãe de Dolores Haze (A Lolita). A
filha é o fator decisivo para que H.H fique na casa, pois ela muito se assemelha
com Annabel, e – pela descrição do autor – é uma ninfeta diferente de todas as
outras. É imediata a atração de Humbert pela menina, e este começa a tramar
situações e mais situações para que consiga tirar algum proveito dela (anotando
grande parte delas em um diário). A mãe e a menina não têm uma boa relação, e
isso faz com que Lolita seja enviada para um acampamento de verão (deixando
Humbert desolado). Todavia, Charlotte se declara para seu hóspede, e este acaba
por se casar com ela - para que obtenha uma relação mais próxima a sua tão
amada “ninfeta”. O casamento dura somente o tempo em que a menina se encontra
no acampamento, pois C.H. morre
atropelada, após ler o diário que Humbert mantinha em uma gaveta trancada.
A segunda parte do
livro tem início logo após a morte de Charlotte Haze. Ou seja, o que
proporcionou liberdade para que Humbert parta para a sua primeira viagem junto
de Lolita. Durante todo o percurso H.H. desenvolve técnicas de chantagem para
que a menina não conte para ninguém o que acontece entre os dois, e – também -
para que ela continue o satisfazendo sexualmente com regularidade. Além de
chantageá-la, frequentemente compra presentes para recompensá-la por bom
comportamento. Humbert havia desenvolvido uma paixão compulsiva pela garota, na
qual precisava “saber de cada passo” da menina, pois tinha que lidar - além do
medo de que ela o abandonasse - com o fato de que a qualquer momento a menina
poderia denunciá-lo à polícia. Após um
tempo, H.H. resolve eleger uma cidade para morar permanentemente. A cidade
escolhida é Beardsley, devido –
principalmente - ao fato de que lá havia uma escola só para garotas (o que o
permitiria afastar a menina de possíveis ameaças masculinas).
A estratégia de H.H não
tem muito sucesso, os dois cada vez brigam mais, e isso torna-se visível para
as pessoas que os cercam. A briga mais importante para o entendimento da
história é a que diz respeito ao desejo de Lolita de participar de uma peça de
teatro da escola (dirigida por Clare
Quilty), que tem como consequência a decisão de partirem mais uma vez em
uma viagem pelo país. Todo o ciúme, já antes demonstrado por H.H., é agravado
com o início dessa empreitada. Além das usuais chantagens, Lolita tem que
conviver com uma constante paranoia de seu “companheiro”, que pensa estar sendo
seguido por um carro conversível (o que posteriormente descobrimos fazer todo o
sentido). Assim, trocam cada vez mais de motel. Em uma das diversas cidades
pelas quais passam, Lolita fica muito doente. Humbert leva-a para o hospital,
mas no dia em que vai buscá-la para ir embora, descobre que ela fugira com
outra pessoa.
Uma busca (inclusive
contratando um detetive) é empreendida pelo doutor, todavia, sem sucesso algum.
A “perda” de sua amada não faz com que seu desejo pedófilo cesse, nem mesmo
quando acaba por casar-se (outra vez) com uma “não-ninfeta”. Contudo, o seu
desejo de encontrar Lolita não some, e a sua nova mulher tem conhecimento
disso. O intuito de Humbert é encontrá-la e matar o homem que a tirou dele.
Depois de quatro anos ele acaba fazendo contato com Lolita, e descobrindo que
ela se encontrava casada e grávida. Entretanto, o marido de sua amada não era o
mesmo que a havia “roubado” dele. Depois de muita insistência, consegue uma
confissão de Lolita, que o revela que o homem responsável por sua fuga era
Clare Quilty (o diretor da peça!). Assim, o romance acaba com o assassinato de
Clare Quilty, e a prisão (sem resistência) do Doutor Humbert Humbert, que –
como é informado no começo do livro – morre de uma trombose coronária logo após
acabar o manuscrito da obra.
O autor enfrentou
sérias dificuldades para publicar o livro e - quando finalmente teve essa
oportunidade - foi extremamente criticado por tratar com tanta “naturalidade”
um personagem que vai totalmente contra o “cidadão americano ideal”. Apesar das
críticas, fez muito sucesso e teve seu livro adaptado ao cinema, primeiramente
por Stanley Kubrick (1962), e –
posteriormente – por Adrian Lyne (1997).
Desde a publicação do
romance “Lolita” é possível elencar diversos filmes que fizeram menção (ou
demonstraram alguma proximidade) ao conceito de ninfeta. Procurei dividi-los em
duas categorias, sendo a primeira de filmes que tratam do tema juntamente com o
tema pedofilia, e a segunda de filmes que somente usam o conceito (sem fazer
uso do que é proposto do Nabokov).
Na primeira categoria,
é possível elencar várias produções, mas acredito que dentre todas essas, três
merecem um destaque em especial: As duas versões de Lolita (citadas acima) e Pretty Baby (1978).
A produção de Kubrick é
precursora. Contudo – na minha opinião – Lyne consegue captar de uma forma
melhor (por ter um roteiro mais fiel aos diálogos do livro) aquilo que é
proposto por Nabokov em seu romance, o que é no mínimo controverso, pois o
autor teve grande participação na confecção do roteiro de Kubrick.
Este opta por revelar
quem é assassinado por Humbert (Clare Quilty) desde o início, sob o pretexto de
prender a espectador ao filme. Todavia, me parece que essa manobra faz com que
a constante dúvida que assola o leitor durante todo o desenrolar do romance de
Nabokov simplesmente desapareça, perdendo-se um bom componente da composição
total da narrativa (que na versão de Lyne permanece).
O livro de Nabokov
também tem a característica de não fazer uso de “palavras obscenas” em nenhuma
situação, e frequentemente se utiliza de eufemismos para descrever as cenas
sexuais. Assim, Kubrick opta por não mostrar “explicitamente” as relações
carnais de Lolita e H.H, enquanto Lyne prefere uma abordagem mais direta,
deixando claro o relacionamento “amoroso” entre os dois.
A polêmica causada pelo
fato de uma menor de idade (tanto em um quanto no outro) interpretar Lolita é –
definitivamente – um dos pontos que aproxima as duas produções. Além disso, a
exemplo que é feito por Nabokov, ambos procuram enfatizar os transtornos
mentais pelos quais Humbert Humbert passa devido ao seu interesse por
“ninfetas” (um dos elementos de discussão acerca do romance).
No entanto, quando se
trata de polêmica, o filme Pretty Baby (dirigido
por Louis Malle) supera os outros dois sem dificuldade. Apesar de não mencionar
“ninfeta” nenhuma vez durante todo o seu roteiro, trata diretamente do modo
como uma menor de idade é abusada. O filme mostra a visão de mundo Violet (uma criança de doze anos). O que
gera a trama é o fato de ela ser moradora de um bordel, e não ter praticamente
nenhum contato social com pessoas de fora deste meio. Ela é iniciada na
prostituição com a idade de 12 anos, e pelos maus tratos que sofre no bordel
acaba resolvendo fugir. Sua fuga é feita através de um dos clientes da “casa”,
um fotógrafo (Ernest), que tinha o
hábito de visita-las simplesmente para tirar fotos. Os dois acabam se casando
(tendo a menina doze anos), mas no final do filme ela é “tirada” de seu marido
por sua mãe e padrasto.
A “ninfeta” que aparece
neste filme tem características muito diferentes daquelas expostas por Nabokov
em Lolita. Diferente da personagem
principal do livro, Violet é muito ingênua, e isso é mostrado constantemente.
Ela não tem noção de certo e errado quando se trata do sexo, pois isso foi uma
questão muito natural durante a criação dela. Assim como as outras crianças,
Violet sofre uma influência daquilo que está em sua volta, e – por esse motivo
– repete grande parte do que vê. Louis Malle propôs tratar o tema com muita
realidade e inclui cenas de nudez (em sua versão original) da protagonista,
fazendo com que fosse censurado em diversos países.
Dentro da segunda
categoria de filmes, se incluem as obras que remetem às ninfetas e ao nome Lolita, mas que não são definidas e nem
criticadas por fazerem alusão à pedofilia.
Esta parte do trabalho
diz respeito àquilo que advém da indústria pornográfica. A prática de tentar
fazer com que mulheres fiquem com uma aparência muito mais nova, fazendo uso de
maquiagem, combinada com roupas muito pequenas e - se possível - com alguém que
tenha uma visual naturalmente mais jovem, não é recente. Bastou uma pequena
pesquisa (com fins essencialmente acadêmicos) em um famoso site fornecedor
deste tipo de material, para que pudesse perceber que o termo Lolita é usado frequentemente neste meio,
mas – obviamente – sem uma verossimilhança com aquilo que é descrito por
Nabokov, visto que, o entretenimento proporcionado pela pornografia não tem uma
ligação direta com o romance, apesar de ambos fazerem uso de algo presente no
imaginário (consciente e inconsciente) de alguns indivíduos.
Vê-se que o exemplo
mais recente e mais famoso de um caso destes é Sasha Grey (Marina Ann Hantzis – 14/03/1988). Desde seu início na
pornografia (2006), aos 18 anos, tem seu nome comparado ao da musa do Dr. H.H.
Já li em algum lugar – inclusive – que ela transcende Lolita, pois ela não recusou gravar os “filmes bizarros com Clare
Quilty e seus amigos”. Contudo, a carreira de atriz pornô desta - infelizmente
- acabou precocemente em 2011, e agora não se pode mais esperar que novos
“materiais de estudo” sobre o nosso tema apareçam com ela como protagonista (somente,
talvez -porém sem o glamour anterior - nas produções literárias de sua nova
carreira de escritora).
Devo lembrar, ainda,
que os filmes pornô são muito mais “consumidos” que os longa-metragem.
Portanto, têm uma influência relativamente mais significativa na formação do
conceito de ninfeta em nossa sociedade. O fetiche por mulheres mais novas é
deveras comum, e a indústria pornográfica se aproveita disso (geralmente) sem
considerar as possíveis consequências de tal ação.
O consumidor de
pornografia, na maioria das vezes, não tem noção de toda a “carga” que – a partir
do lançamento do livro de Nabokov – é implícita ao nome Lolita, ou mesmo ao
conceito de ninfeta. Não obtive acesso a estatísticas sobre os crimes de
pedofilia, porém é do conhecimento geral o fato de que – assim como o
personagem Humbert Humbert exemplifica – os pedófilos alegam (e o mesmo
acontece com estupradores) que a culpa de cometerem tal crime é da própria
vítima, pois ela quem os atrai.
Em suma, é possível
perceber o quão polêmico todo o material que trata de uma temática relacionada
às “ninfetas” (sendo ele coerente com o que é escrito por Nabokov ou não) acaba
por – naturalmente – sofrer uma crítica bastante intensa por parte da sociedade
em geral. É daí que surge a discussão sobre a legitimidade, ou não, de tudo o
que tem alusão ao tema, pois supõe-se que a exposição de tal fator seja um
incentivo à pratica. Além do incentivo, no caso da indústria pornográfica,
aparece a manutenção de conteúdo que satisfaz (e faz possível) um fetiche
masculino, que – teoricamente – vai contra o que é socialmente aceito. Todavia,
é evidente que os crimes de pedofilia são uma realidade e – querendo ou não – a
exposição do tema acaba por gerar uma reflexão associada – sobretudo – a uma
conscientização sobre o assunto.
Portanto, tanto o
romance de Nabokov, quanto os filmes de Kubrick, Lyne e Malle - dentro de suas
possibilidades - contribuem para que esse terrível problema seja combatido. Por
fim, vejo que o estímulo de um fetiche – e da sexualidade em si (sem exagero, e
com consciência das consequências) não é danoso, e – inclusive - pode ser
considerado saudável. A sexualidade ainda é tabu, algo totalmente inaceitável,
pois ela é essencial para a compreensão das ações humanas, e – sem ela – a
vida, sem sombra de dúvida, tende a ter muito menos sentido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário