domingo, 1 de setembro de 2013

A Tragédia Romântica de Romeu e Julieta


A Tragédia Romântica de Romeu e Julieta:
de Shakespeare a Chapolin.

Rafael Belló Klein
Mestrando em História na PUCRS 

Sempre que nos detivermos um momento a pensar e elencar os grandes pilares da dramaturgia, e mesmo da literatura ocidental, a obra de William Shakespeare (1564-1616) salta aos olhos como uma das mais significativas. O “Bardo de Avon”, como foi alcunhado pelo seu local de nascimento, Stratford-upon-Avon, é autor de dezenas de peças que entraram para o cânone da literatura mundial, tendo sido inúmeras vezes adaptadas tanto para o teatro, quanto para o cinema e a televisão. Embora tenha se dedicado também à poesia, foi mesmo enquanto dramaturgo que Shakespeare ganhou maior reconhecimento, por suas comédias, dentre as quais se destacam, por exemplo, A Megera Domada, Muito Barulho por Nada e Sonho de uma Noite de Verão, que versam sobre temas como o casamento, as relações amorosas e as disputas entre os sexos; e, principalmente, por suas tragédias, que tratam de temáticas como a inveja, o ciúme, a ambição e a traição, como Rei Lear, Otelo, o Mouro de Veneza, além das obras-primas Macbeth e Hamlet.

            Entre suas tragédias, ainda, figura aquela que se tornou a grande história de amor ocidental, o arquétipo por excelência do amor romântico: Romeu e Julieta. Escrita entre 1591 e 1595, a peça narra o trágico desfecho do amor entre Romeu, da casa dos Montéquio, por Julieta, da família rival dos Capuleto. A história é ambientada na cidade italiana de Verona, e tem como pano de fundo o sangrento conflito entre as duas famílias, representado logo na sua primeira cena. Romeu, após entrar furtivamente em um baile da casa inimiga, na esperança de encontrar Rosalina, sobrinha de Capuleto, acaba encontrando e apaixonando-se por Julieta, filha do patriarca rival. Após o baile, Romeu consegue entrar, novamente despercebido, no jardim dos Capuleto e se coloca diante da varanda de Julieta, de onde ouve que seu amor é correspondido por esta, revelando a seguir sua presença. Naquela noite, ambos decidem se casar apesar do ódio reinante entre suas famílias, intento realizado com a ajuda de Frei Lourenço, franciscano amigo de Romeu, que, secretamente, os une em matrimônio no dia seguinte.


 
            No entanto, a tragédia não demora a se abater sobre a história. Teobaldo, da casa dos Capuleto, ao saber que Romeu havia entrado de penetra no baile de sua família, desafia este para um duelo, que acaba com a morte de Mercúcio, parente do Príncipe de Verona e amigo de Romeu e que havia tentado intervir, e, na seqüência, do próprio Teobaldo, nas mãos de Romeu. O Príncipe, então, tendo perdido um familiar na disputa interminável entre as duas famílias, sentencia Romeu ao exílio.

            Entrementes, Julieta é prometida em casamento a Páris, também parente do Príncipe de Verona. Desesperada, a garota pede ajuda a Frei Lourenço, que lhe fornece uma droga que a deixaria em estado de morte aparente por 24 horas, para evitar que se casesse contra sua vontade, e promete enviar um mensageiro a Romeu para informá-lo do plano, de modo a reunir o casal assim que Julieta acordasse. Efetivamente, na véspera de seu casamento, a moça toma a droga e, sendo dada como morta, é depositada na cripta da família. O suposto mensageiro, porém, não chega até Romeu, que, desolado, compra um veneno mortal e dirige-se à cripta onde jazia sua amada. No entanto, ao chegar ao local, Romeu depara-se com Páris velando sua falecida noiva. Os dois jovens batem-se em duelo, o qual termina com a morte de Páris. Mesmo vencendo, Romeu bebe o veneno que trouxe consigo, por acreditar que Julieta estava de fato morta. A moça, no entanto, acorda logo a seguir e, vendo Romeu morto a seu lado, suicida-se com a adaga de seu amado.

            Ao descobrirem os corpos na cripta, e tendo ouvido o relato do amor secreto dos dois jovens por parte de Frei Lourenço, as famílias de Montéquio e Capuleto acabam se reconciliando ao final da trágica história.
 
                 Poucas peças receberam tantas representações, alusões e adaptações quanto a tragédia shakespeariana de Romeu e Julieta. Abundam obras de arte que ilustram cenas clássicas da história, como a do encontro na varanda e o drama final na cripta. Também na música há grande número de obras que a ela fazem referência, desde um poema sinfônico de Tchaikovsky, cuja primeira composição data de 1869, até uma canção de 1981 da banda de rock Dire Straits.

            Mas é no cinema que podemos encontrar o maior número de versões ou referências à história. Tanto que seria praticamente impossível fazermos um apanhado de todas as obras cinematográficas que a tematizam. Vejamos, no entanto, algumas das mais significativas.

            Houve várias filmagens, desde o início do século XX, que buscaram interpretar fielmente a tragédia de Romeu e Julieta. No entanto, talvez a primeira grande adaptação para o cinema da obra shakespeariana tenha sido o filme homônimo de 1936, dirigido por George Cukor a partir do roteiro de Talbot Jennings e tendo Leslie Howard e Norma Shearer interpretando o malfadado casal de Verona. Apesar de ter recebido críticas devido à idade dos atores – cerca de 30 anos mais velhos do que os personagens que interpretavam – e de dividir os especialistas entre os que o aclamaram e aqueles que o consideraram demasiado elaborado, sendo contrários à filmagem de obras de Shakespeare, o filme recebeu quatro indicações ao Oscar: Melhor Filme, Melhor Atriz para Norma Shearer, Melhor Ator Coadjuvante para Basil Rathbone pelo papel de Teobaldo, e Melhor Direção de Arte. Mesmo não levando nenhum dos prêmios, a película foi considerada durante muito tempo como um dos clássicos da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), estúdio que a produziu.
 




            É digna de nota também, a produção de Romeo and Juliet de 1954, quase duas décadas após a versão de Cukor. Tendo roteiro adaptado e direção do italiano Renato Castellani, a película mesclou a participação de atores profissionais experientes, como o Romeu Laurence Harvey, e inexperientes, como a Julieta Susan Shentall, uma estudante escolhida por sua beleza, descoberta por Castellani em um pub de Londres. Reduzindo drasticamente a participação dos personagens secundários e intercalando cenas destinadas a representar características da época, como o catolicismo e o sistema de classes na Itália renascentista, o filme foi o vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1954, apesar do baixo sucesso comercial.



            A mais aclamada versão do trágico romance shakespeariano talvez seja a dirigida pelo também italiano Franco Zefirelli, a partir do seu roteiro em colaboração com Franco Brusati e Masolino D'Amico, de 1968. O filme conta com a narração de Laurence Olivier e foi estrelado pelos jovens Leonard Whiting e Olivia Hussey. Pela primeira vez na história cinematográfica, o conto de Romeu e Julieta era interpretado por atores muito próximos à idade que os personagens de Shakespeare apresentam no drama, tendo Whiting e Hussey, respectivamente, 18 e 17 anos na época do seu lançamento. Grande sucesso de crítica e de bilheteria, o filme venceu dois Oscars, o de Melhor Fotografia e de Melhor Figurino, tendo sido indicado também para os prêmios de Melhor Filme e de Melhor Diretor para Zefirelli.



            Há também aqueles filmes que trazem alterações mais drásticas em relação ao escrito original. Entre estes, é necessário citar o filme Romeo + Juliet, de 1996. Dirigido por Baz Luhrmann e trazendo Leonardo DiCaprio e Claire Danes como os protagonistas, o filme apresenta uma roupagem pós-moderna, sensual, e atrativa para o público jovem e adolescente. As alterações do filme de Luhrmann não se referem tanto ao desenrolar dos fatos conforme a peça de Shakespeare. Estas são relativamente pequenas. Sua grande inovação é trazer a narrativa para os tempos atuais, atualizando e modernizando a disputa entre os Montéquio e os Capuleto: agora dois impérios empresariais em conflito, tendo como pano de fundo a fictícia cidade de Verona Beach, e lançando mão de armas de fogo em vez de espadas.



            Outras versões, com grandes alterações no roteiro, ambiente e personagens merecem ainda ser lembradas, pelo seu sucesso e originalidade. O filme Romanoff and Juliet, de 1961, é um bom exemplo. Dirigido, escrito e estrelado pelo britânico Peter Ustinov, a película narra a história de um General de um país centro-europeu (Ustinov) que manobra para que Igor Romanoff (John Gavin), filho do embaixador da União Soviética, e Juliet Moulsworth (Sandra Dee), filha do embaixador americano, se apaixonem. O filme, assim, ainda que desconhecido do grande público, revela-se uma crítica bem-humorada à Guerra Fria e aos conflitos diplomáticos em geral, sem, no entanto, perder o romantismo do conto de Romeu e Julieta.


            É indispensável que se mencione também o bem mais conhecido, lucrativo e premiado West Side Story. O filme, de 1961, é um musical baseado em uma peça da Broadway de 1957, que por sua vez é uma adaptação da tragédia shakespeariana. Dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins, com roteiro de Ernest Lehman, e estrelando Natalie Wood e Richard Beymer, a película se passa em Nova York, onde as famílias rivais dos Capuleto e dos Montéquio são transformadas em gangues, uma de brancos americanos, os “Jets”, e outra de porto-riquenhos, os “Sharks”, que disputam entre si o controle das ruas. O conflito se intensifica quando Tony Wyzek (Beymer), o melhor amigo do líder dos “Jets”, Riff Lorton (Russ Tamblyn), e Maria Nuñez (Wood), irmã mais nova de Bernardo Nuñez (George Chakiris), líder dos “Sharks”, se apaixonam em uma festa. Após uma série de eventos, entre os quais se dá a morte dos chefes das duas gangues – Riff morto por Bernardo e este por Tony –, chega-se ao clímax da história. Ao receber a errada informação de que sua amada Maria havia sido morta por Chino (Jose DeVega), um membro dos “Sharks”, Tony impulsivamente vai ao encontro do suposto assassino. No entanto, ao ver Maria viva, Tony corre em direção a ela, sendo alvejado por Chino e morrendo. Maria, em choque, ameaça matar os membros dos “Sharks” que puder e suicidar-se ao fim, porém, acaba não tendo forças e cai no choro. O filme se encerra com um cortejo funerário composto por ambas as gangues carregando o corpo de Tony e com a prisão de Chino.

O musical foi vencedor de nada menos que 10 Oscars – Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante (George Chakiris), Melhor Atriz Coadjuvante (Rita Moreno), Melhor Fotografia, Melhor Figurino, Melhor Direção de Arte, Melhor Edição, Melhor Mixagem de Som e Melhor Trilha Sonora –, sendo ainda indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.



            Outro filme que enfatiza as tensões raciais no lugar da disputa familiar shakespeariana é Romeo Must Die, do ano 2000. O longa-metragem de ação, dirigido por Andrzej Bartkowiak, é protagonizado pela estrela dos filmes de kung-fu Jet Li e pela cantora de hip-hop Aaliyah Haughton. Na trama, Han Sing (Jet Li) é um ex-policial que foge da cadeia em Hong Kong para investigar a morte de seu irmão em Oakland. Chegando na Costa Oeste dos Estados Unidos, ele se depara com o conflito entre as organizações criminosas da máfia chinesa e afro-americana. Ao longo da história, que envolve negociatas milionárias entre os dois lados para adquirir para a cidade uma franquia da NFL, Liga de futebol americano profissional, Han apaixona-se por Trish O’Day (Aaliyah), filha do chefão da gangue afro-americana. Ao final, entretanto, ao contrário da tragédia de Romeu e Julieta e da maioria de suas adaptações, os protagonistas Trish e Han não apenas desmancham o esquema entre as duas facções, como sobrevivem e ficam juntos.


            O final feliz aparece também em outras versões. Na animação infantil Gnomeo and Juliet, a história se desenvolve em torno dos jardins de dois vizinhos que se odeiam, o Sr. Capulet e a Sra. Montague. Cada um possui seu jardim povoado com gnomos, os do primeiro com gorro vermelho e os da segunda com gorro azul. Quando seus donos se afastam, os pequenos seres ganham vida e refletem a sua inimizade. A competição entre os dois clãs se dá por meio de corridas em cortadores de grama, em uma das quais Gnomeo (voz de James McAvoy) dos azuis perde para Tybalt (Jason Statham) dos vermelhos, por meio de uma trapaça. Esgueirando-se para o jardim vizinho à noite, na tentativa de se vingar, Gnomeo conhece Juliet (Emily Blunt), filha do chefe dos rivais vermelhos, e ambos se apaixonam. Quando estoura uma guerra aberta entre os dois lados e um poderoso cortador de grama desgovernado parece ter matado o casal apaixonado, a tragédia faz com que Lord Redbrick (Michael Caine) e Lady Bluebury (Maggie Smith), pais de Juliet e Gnomeo e líderes de suas cores, decidam acabar com a briga entre os jardins. Para coroar o desfecho alegre, Gnomeo e Juliet surgem vivos das ruínas do cortador de grama e se casam, unindo de vez os dois lados.


            De fato, também nas histórias infantis se popularizou a história de Romeu e Julieta, seja em filmes ou animações, no cinema ou na televisão, em desenhos animados ou seriados. O público brasileiro certamente se lembrará da célebre versão do seriado de comédia mexicano Chapolin. O programa de Roberto Gómez Bolaños apresentou, na sua quarta temporada, produzida em 1975, em dois episódios de cerca de 20 minutos, intitulados “A Romântica História de Juleu e Romieta”. Nesta versão, que faz um trocadilho com os nomes dos amantes de Verona, Juleu Montesco (Carlos Villagrán) torna-se namorado de Romieta Capuleto (Florinda Meza) sem se dar conta da inimizade mortal entre suas famílias. Ao ficar sabendo do namoro, o pai de Romieta, sr. Capuleto (Ramón Valdés), proíbe os dois de continuar se vendo. Neste momento, Juleu clama por ajuda, sendo acudido pelo herói trapalhão Chapolin Colorado (Bolaños), dando início a uma série de confusões, incluindo uma divertida serenata com a ajuda de um vizinho (Rubén Aguirre). No clímax da história, Romieta, a conselho do vizinho, finge estar morta para que seu pai esqueça a briga entre as famílias e lhe permita casar com Juleu. Porém, num duelo entre Chapolin e sua marreta biônica contra o Sr. Capuleto e seu penico, Juleu é atingido e cai supostamente morto ao chão. Romieta então revela estar viva e cai no choro, fazendo com que Capuleto se arrependa e lhe dê permissão para casar com quem quiser, momento em que Juleu levanta, revelando também estar vivo. E nos dizeres de Chapolin: “E foram muito felizes, casaram-se, tiveram muitos filhos, respiraram poluição, pagaram impostos. Bem, Chapolin Colorado, este conto está acabado”.


            Como vimos, então, seja por interpretações que buscam ater-se o mais fielmente possível ao texto shakespeariano, seja por adaptações que alteram drasticamente o local, os personagens e mesmo o desfecho da história, seja em películas de drama, ação ou comédia, proliferam versões da famosa história do amor proibido entre dois jovens, tragicamente entravado pelo ódio entre suas famílias. De fato, tratando de um tema tão universal como o amor, e o amor obstaculizado por ódios e ressentimentos mundanos, por barreiras sociais, a tragédia de Romeu e Julieta tornou-se um clássico, de alta pregnância no senso comum, no arcabouço folclórico ocidental, na história da literatura mundial e na produção de entretenimento cinematográfico e televisivo.

                                                                                                                         

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